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O meu irmão sempre adorou as minhas taças. As minhas taças, as minhas medalhas e todos os troféus que eu ganhei no mini motocross. Até as coroas de louros que a minha mãe foi desbastando para os cozinhados da casa. Mas isso foi há séculos! Quer dizer, há cerca de duas dezenas de anos. E quando eu era miúda aqueles troféus eram tudo para mim! Eram um orgulho e era com orgulho que eu os mostrava aos meus amigos e colegas de escola e que o meu pai também se orgulhava de mostrar aos amigos dele.
Toda a minha família adorava o resultado das minhas pequenas vitórias. O meu pai podia exibir uma filha - repito uma filha - campeã nacional de motocross, eu podia exibir-me na escola, a minha mãe cozinhava com o meu louro (às escondidas) e o meu irmão, de vez em quando lá surripiava uma taça para juntar às dele. Queria que a colecção dele fosse maior que a minha, à força! Mas nem empenhado numa carreira de larápio, ele me conseguia superar em número. Eu era a miúda que lhe tinha destruído a infância (temos 10 anos de diferença) e subido ao pódio muito mais vezes que ele! Eu era o drama da vida dele! O fim da vida de filho único! E ele vingava-se! Horrivelmente! Roubava-me taças… Lol
Durante anos foi vítima de assaltos constantes. E eu não dava por ela. Só se fosse alguma taça com importância especial, mais bonita ou maior. Ele (ainda) hoje não é muito inteligente mas lá esperto ele era. Geralmente surripiava as mais pequenas porque sabia que ninguém dava conta. Quando eu me apercebia era o DRAMA! O fim do mundo! Chorava como se o mundo fosse acabar mesmo! O meu pai zangava-se com ele, colocava-o de castigo (sem qualquer efeito) eu recuperava a taça e escondia-a. Às vezes, até me esquecia onde e só a reencontrava séculos depois. Fomos crescendo mas ele continuou com a sua pequena obsessão.
Há três anos que saí da casa dos meus pais deixei todas as taças, medalhas, troféus e afins lá no sótão. Primeiro porque não tinha espaço na minha casa. Segundo porque não sabia se as queria ver todos os dias. Além de que tenho alergias e limpar aquilo tudo dá cá um trabalhão! É tratar as bases de madeira, limpar o latão ou lá o que é, polir, etc… Não quero passar uma vida como escrava do lar e muito menos como escrava do passado. Sobretudo a limpar uma coisa que hoje em dia não tem importância nenhuma para mim. Não lhes tenho apego. Nem me quero prender ao passado. É uma parte da minha vida excepcional mas acho que temos de viver as coisas no tempo certo. Aquilo já passou.
No outro dia a minha mãe falou-me nas taças velhas, cheias de pó e provavelmente cheias de bicho e que o meu irmão andava a rondar o sótão... Naquele momento decidi dar as taças e tudo o resto. Ao meu irmão claro! Afinal ele sempre as quis. Fiz o anúncio entre duas garfadas de um linguado grelhado e ficaram todos embasbacados a olhar para mim. O meu irmão começou logo a justificar que só ia ao sótão para as limpar… Pois... Certo... lol... Olhei-o nos olhos e disse calmamente “A partir de hoje são todas tuas. Todas.” E fez-se silêncio por um instante. Ele aceitou-as e prometeu ser o seu fiel guardião e… Empregada de limpeza. Começo a perceber melhor algumas coisas. Chega o dia em que temos de dizer “Vá, leva lá a taça” e temos mesmo de a deixar ir. Neste caso, literalmente…